O pesquisador José Eduardo Lanuti analisa pontos sensíveis da formação docente quando o assunto é educação inclusiva e propõe o debate que promova, de fato, a acessibilidade.
Presidente da Comissão Multidisciplinar Permanente de Acessibilidade da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), professor e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Inclusão da universidade, José Eduardo Lanuti também é pesquisador colaborador do Leped (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma das principais referências nacionais nos estudos sobre educação inclusiva.
Nesta entrevista ao Porvir, ele fala sobre as políticas “ultrapassadas” ainda vistas nas universidades, a formação “fragilizada” e como a promoção da acessibilidade é um assunto urgente. “Precisamos pensar na diferença humana, que é a singularidade de cada um. Ainda que algumas características possam ser recorrentes a cada deficiência, a cada situação, uma pessoa não pode ser limitada a partir de um atributo que possua”, afirma.
Confira os principais pontos da entrevista:
Porvir: Como as universidades apresentam o tema da educação inclusiva?
José Eduardo Lanuti: Infelizmente, as universidades de modo geral apresentam esse tema – a educação inclusiva – a partir de um modelo idealizado de estudante. Os cursos de formação não trabalham a partir da diferença humana, mas a partir da diversidade. Eles agrupam as pessoas em grupos de alunos capazes e incapazes, avançados e atrasados. Sempre as pessoas consideradas com deficiência são enquadradas nessas categorias e nos grupos identitários que representam, de certa forma, uma inferioridade ou falta de capacidade para aprender e se desenvolver. As universidades, de um modo geral, trabalham com esse aluno abstrato, com esse modelo idealizado pelo qual os outros são comparados.
Muitas vezes, as formações nas universidades são organizadas a partir de cada deficiência, numa segmentação das deficiências. Espera-se formar um professor para trabalhar com a surdez, com a cegueira, com o autismo, com as altas habilidades e isso faz com que grupos sejam criados, que é o grande problema da diversidade.
Precisamos pensar na diferença humana, que é a singularidade de cada um. Ainda que algumas características possam ser recorrentes em cada deficiência, em cada situação, uma pessoa não pode ser limitada a partir de um atributo que possua.
Porvir: O que há de mais problemático nesse quesito?
José Eduardo Lanuti: Tem uma coisa muito séria: a base de boa parte das disciplinas nos cursos de graduação está em políticas ultrapassadas. Muitos professores se baseiam em políticas que não defendem, por exemplo, o modelo social da deficiência, que não entendem a educação especial como uma modalidade que não substitui a educação comum. Todo esse entendimento faz com que a formação do professor fique fragilizada e tendenciosa no sentido de se aproximar muito mais de uma formação para uma prática integracionista do que propriamente inclusiva.
Outra questão muito problemática é a forte influência dos conhecimentos da saúde, os conhecimentos médicos na formação do professor que vai atuar com o aluno considerado com deficiência. Esses professores acabam entendendo que os saberes pedagógicos estão num segundo plano quando o assunto é um aluno público-alvo da educação especial. Quando na verdade a gente sabe que independente de quem seja o aluno, são os saberes pedagógicos os mais importantes para ensinar, para trabalhar com processos pedagógicos. Ainda que os saberes médicos tenham uma grande importância, não são os conhecimentos principais.
Porvir: Você considera que o aspecto individual, de professores movidos pelo próprio interesse no tema, se sobressai em relação a um movimento que seja de certa forma “unificado”?
José Eduardo Lanuti: Eu não culpabilizo os professores pelos desafios que nós temos vivenciado em relação à inclusão, muito menos pelas experiências que não são bem-sucedidas nesse sentido. Na verdade, o que eu vejo é que há um sistema educacional que espera do professor algo que ele jamais será capaz de fazer, que é homogeneizar a aprendizagem das suas turmas, padronizar os seus alunos, encaixá-los dentro de um perfil pré-determinado ou fazer com que os alunos alcancem habilidades e competências previamente – como acontece, por exemplo, na BNCC (Base Nacional Comum Curricular).