Nota de Repúdio

Nota de Repúdio ao Concurso para Magistratura do Trabalho quanto às questões ligadas ao tema pessoas com deficiência visual
NOTA DE REPÚDIO AO EDITAL N° 1/2023 DO II CONCURSO PÚBLICO NACIONAL UNIFICADO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA DO TRABALHO QUE PRIVILEGIA PESSOAS COM VISÃO MONOCULAR PARA A RESERVA DE CARGOS DENTRE CANDIDATOS E CANDIDATAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL (ITEM 4.3, ALÍNEA E)
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID) toma ciência doEdital n° 1/2023 do segundo concurso público nacional unificado para o ingresso na carreira da magistratura do trabalho e verifica que permite somente pessoas com deficiência com visão monocular serem candidatas às vagas reservadas, dentre as pessoas com deficiência visual, conforme se lê no item 4.3, alínea e do referido edital.

  1. DA AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL
    Verifica-se que muito embora o artigo 73, parágrafo 1º, da Resolução n° 75/2009 do CNJ, alterado pela Resolução n° 208/2015, conceitue a deficiência segundo o modelo biopsicossocial, decorrente da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e Lei n° 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), segundo o qual considera-se deficiência os impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas, o item 4.2 do Edital menciona, tão somente, o Decreto n° 3.298/1999 que contém o antigo e revogado modelo médico, e a súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
    4.2 Consideram-se pessoas com deficiência aquelas que se enquadram nas categorias
    definidas no art. 4º do Decreto Federal nº 3.298/1999 e na Súmula nº 377 do Superior
    Tribunal de Justiça – STJ.
    Embora o edital faça referência a outras deficiências no item 4.3.2, ao expressar o item 4.2, ignora a definição biopsicossocial que tem caráter constitucional e deixa de considerar a pessoa com transtorno do espectro autista que tem previsão própria na Lei nº 12.764/2012 (artigo 1º parágrafo 1º).
  2. DO PRAZO DE VALIDADE DO “ATESTADO MÉDICO”
    O item 4.3.2 do Edital prevê que o atestado médico deverá ter sido emitido em no máximo, 30 dias antes da data da publicação do edital para pessoas com deficiência visual e 6 meses para pessoas com deficiência auditiva:
    4.3.2 O atestado médico, que deverá ter sido emitido, no máximo, 30 (trinta) dias antes da data da publicação deste edital, deverá conter:
    a) a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código
    correspondente da Classificação Internacional de Doença – CID, bem como a causa da
    deficiência;
    b) a indicação de órteses, próteses ou adaptações, se for o caso;
    c) a deficiência auditiva, se for o caso, hipótese em que o atestado deverá estar
    acompanhado de audiometria recente, datada de até 6 (seis) meses antes, a contar
    da data de início do período de inscrição;
    d) a deficiência múltipla, constando a associação de duas ou mais deficiências, se for o
    caso; e
    e) a deficiência visual, se for o caso, devendo o laudo estar acompanhado de acuidade
    em pelo menos um dos olhos, patologia e campo visual.
    Embora conste da Resolução n° 75/2009, o prazo de 30 dias é exíguo para a apresentação de laudo biopsicossocial (ou atestado médico) e implica ônus desproporcional à pessoa com deficiência, pois o pequeno tempo de validade do documento não permite a utilização de laudos obtidos em um passado próximo. Lembremos que a pessoa é considerada com deficiência quando o impedimento é de longo prazo para todas as naturezas sensorial, físico, mental ou intelectual. Assim, um laudo emitido há 3 anos, por exemplo, terá o mesmo efeito que aquele produzido há 30 dias.
    A exigência de laudo médico como único documento hábil a comprovar a deficiência igualmente contraria o modelo biopsicossocial e implica em indevido e injustificável retrocesso ao modelo médico da deficiência, já superado.
  3. DO IMPEDIMENTO DE PESSOAS CEGAS SE INSCREVEREM NO CONCURSO PÚBLICO PARA MAGISTRATURA DO TRABALHO
    O item 4.3.2 do edital exige que a deficiência visual seja acompanhada de laudo que apresente acuidade em pelo menos um dos olhos:
    e) a deficiência visual, se for o caso, devendo o laudo estar acompanhado de acuidade em pelo menos um dos olhos, patologia e campo visual;
    Isso significa dizer que estão excluídas do certame público TODAS PESSOAS CEGAS?
    Sim, pois se exige acuidade visual em pelo menos um dos olhos. Tal exigência não encontra amparo constitucional e legal e possibilita apenas a participação de pessoas com visão monocular, estando excluídas as pessoas com cegueira total e as pessoas com cegueira legal, ou quem ainda conserva algum resíduo visual, sem contudo poder ler textos em papel/tinta. Para qualquer das situações, não há justificativa para excluir a participação de pessoas sem acuidade visual e/ou permitir a participação daquelas pessoas que, mesmo com alguma escassa acuidade, também não possa realizar a leitura visual.
    Embora o artigo 74 da Resolução n°75/2009 elenque documentos adicionais que podem ser exigidos da pessoa com deficiência como o de preencher outras exigências ou condições constantes do edital de abertura do concurso (inciso II, artigo 74), referidas exigências devem ser interpretadas segundo o princípio da legalidade, ao qual está adstrito a Administração Pública, e terem o amparo da lei além de não colidir com o princípio da proporcionalidade.
    Lembre-se que a CDPD no artigo 27, parágrafo 1º, alínea a, proíbe a discriminação baseada na deficiência em relações de emprego, incluídas as condições de recrutamento, contratação e admissão.
    Lembre-se, também, que em dois dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRF3 e TRT-9ª) há desembargadores federais cegos (sem nenhuma acuidade visual) que autorizam a concluir que pessoas cegas podem ser magistradas e que não podem ser excluídas de certames públicos devendo lhes ser colocadas à disposição todos os recursos de acessibilidade, adaptação razoável e tecnologia assistiva para a realização das provas.
    Observe-se, por último, que referida exigência de acuidade em pelo menos um dos olhos parece colidir com a disposição do item 4.13 do Edital, que enuncia que “A avaliação sobre a compatibilidade da deficiência com a função judicante será empreendida no estágio probatório a que se submeterá o(a) candidato(a) aprovado(a)no certame”, além da avaliação por equipe multiprofissional de apoio ao concurso público, prevista no item 4.14 do Edital: O(A) candidato(a) com deficiência submeter-se-á, na mesma ocasião do exame de sanidade física e mental, à avaliação da Comissão Multiprofissional quanto à existência de deficiência e sua extensão, nos termos do art. 75 da Resolução nº 75/2009 do CNJ.
    A AMPID espera sejam procedidas as alterações quanto aos itens 4.2, 4.3.2, 4.3.2.e – este último desproporcional e violador do princípio da igualdade – pois as inscrições para o concurso público ocorrem no período de 09.01.2023 a 15.02.2023, tendo 300 vagas para o cargo de Juiz e Juíza do Trabalho Substituto(a), das quais 5% estão reservadas para candidatas e candidatos com deficiência.
    Brasília, 18 de janeiro de 2023.
    Cristiane Lucas Branquinho – Presidenta
    Fernando Gaburri de Souza Lima – Diretor/Nordeste
    Maria Aparecida Gugel – Conselho Científico

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